Confissões de Residente

Cada voz que cala transborda e deságua me causando vexame, me dando dor de cabeça, me trazendo pro meu cadinho íntimo e restaurador...

Lá no epicentro, aqui dentro de mim, treme tudo e calmamente eu vou cedendo, eu te abraço e é você quem me consola, eu te dou o que eu tenho de melhor, e quem me ensina é você, eu te dou a pior notícia, e nas suas lágrimas sou eu quem desabafo...

A vida é pesada demais, a vida é ávida por conquistas, a vida pulsa fina e rápida, cheia e congesta, ela bate feito martelo d’água, ela some em meio à reanimação, ela reflete nos músculos como num soluço infame... A vida trapaceia e brilha.

Esses tempos atrás eu sabia tudo, eu sabia tudo e era presa na mais avassaladora das ignorâncias, eu me prendia nos medos fáceis de resolver, me detinha naquilo que só dependia de mim, mas que não sou eu que defino... Eu encarava as coisas acreditando que a cor-de-rosa dominava o horizonte, eu fitava o horizonte e só enxergava um arco-íris, eu percebia a dor nos meus vizinhos e a pisoteava como se fosse imune a ela...

Agora, em meio ao redemoinho, enxergo cores e nuances, me curvo na dor, me contraio com medo, soluço em apelo, lacrimejo por sentir que talvez esse seja seu último suspiro. Agora sou eu quem perco o sono, aprendo de manhã pra praticar à tarde... Agora seu soro corre nas minhas veias, a sua falta de ar me sufoca, e a sua dor me dói.

Eu queria muito um analgésico, queria na verdade a cura... Ver tudo de volta ao seu lugar e auscultar as bulhas rítmicas fazendo a sua parte... Sentir que sua dor sumiu e nesse alívio ter minha mão pousada no seu peito...
Sei que te levo pra sempre comigo, sinto que nas minhas mãos pequenas repousam um pouquinho do seu pesar e da sua leveza,  desejo que os dias que nos esperam não parem de repente...

Isso e tudo o mais povoam meus primeiros dias, isso e tudo o mais me doem e me arrancam gargalhadas, isso é meu martírio e meu projeto de vida... Isso, eu diria, foi para o que eu nasci.